Os filmes trash sempre foram usados como um de “quebrador de gelo” entre os espectadores de um terror mais clássico, quando desejam assistir a um filme com os elementos do seu gênero favorito, mas sem todo o peso que a atmosfera que só um terror, com suas luzes a 45 graus e som impactante, trás. Sempre defendi que o terror é mais do que sustos e causar medo, o terror pra mim é também tratar de um tema central de reflexão, como todos os outros gêneros cinematográficos podem fazer, através de uma ótica absurda, muitas vezes extrema e fantasiosa, da realidade.
São muitos os exemplos de filmes de terror que trazem uma reflexão, mas que tem seu teor crítico completamente anulado pela sua chocante explicitude dos elementos do gênero, O Exorcista é o exemplo mais famoso, o leitor pode fazer um exercício agora mesmo, tentando lembrar da última vez em que se discutiu a questão da fé através do filme, em vez de apenas chamar atenção para a maquiagem assustadora que traz a Linda Blair possuída pelo demônio Pazuzu. Ao longo dos anos criou-se um estigma de que alguns filmes são sérios e outros não, o terror entra na categoria dos filmes “não sérios” e isso levanta outra discussão, que é o ponto para o qual quero chamar atenção nesse texto: se o dito “terror sério” não é assim considerado por grande parte do público médio, o que será do teor crítico dos “terrir” e, consequentemente, dos filmes trash? Primeiramente vamos falar sobre o que é um filme trash. O filme trash é descrito como um filme tecnicamente mal feito, de maneira proposital, seja por meio de uma atuação ruim, de uma pós-produção propositalmente “preguiçosa” ou de uma produção excessivamente artesanal descuidada que impõe um caráter cômico ao filme. Um dos maiores exemplos de filme trash que podemos citar é o famoso Fome Animal, dirigido por ninguém menos do que Peter Jackson. Inúmeros exemplos podem ser citados, de filmes ilustres do subgênero, como Terrorvision, Re-Animator, Chopping Mall e tantos outros que teríamos de fazer um post de listas, tal como “20 filmes trash para conhecer o subgênero”, mas como não é o nosso propósito tomarei como base um deles, o primeiro citado para continuar a nossa reflexão. Terrorvision, ou A visão do terror como é chamado o filme nacionalmente, é um filme trash de 1986 que conta a história de uma família americana, com todas as suas peculiaridades da época, como velhos avôs ex-combatentes e adolescentes rebeldes, que recebe a ilustre visita de um ser extraterrestre que se materializa através do sinal de televisão e passa a assombrar a vida dos que moram naquela casa. A aparência do alienígena é grotesca, e de tão grotesca, cômica. Apesar de todo o mal que o ser causa à família, é quase impossível leva-lo tão a sério quanto levamos alienígenas de filmes melhor produzidos como Sinais. No entanto, ao pensarmos além da direção de arte extravagante (o que não quer dizer ruim, pois cumpre e muito bem o seu propósito) e das atuações caricatas, podemos enxergar uma crítica à alienação pela mídia, nesse caso a televisão, de uma maneira até mesmo inovadora, dificilmente vista no cinema. Logicamente o filme não é o primeiro a colocar em pauta o tema “televisão na vida das pessoas”, no entanto, é interessante pensar na forma em que se aborda: uma família caricata e obcecada pela televisão que recebe a visita de algo que eles não sabem de onde vem, mas sabem que vem através de um inofensivo aparelho e que quer fazer mal a eles. Quantas pessoas não são manipuladas todos os dias por “sinais alienígenas” que eles não sabem exatamente de onde vêm e quem controla, mas que entra nas suas casas de maneira inofensiva através de um aparelho de televisão e, sem perceber, em pouco tempo já influenciou o modo como elas vivem e pensam? Não é preciso ir muito longe para saber o que representa o monstro grotesco de visual engraçado. A visão do terror é só um exemplo no meio de uma filmografia imensa de filmes que à primeira vista não são dignos de um olhar sério (na visão de algumas pessoas). Quer uma crítica ao meio acadêmico através de um filme trash? Dá uma conferida em Re-Animator. Querendo um filme que te faça refletir sobre as relações fechadas de um grupo de pessoas mais abastadas? A sociedade dos amigos do diabo está aí, contando com belíssimas referências do terror mais “refinado”. Dê uma chance aos filmes trash, conheça outros modos de crítica através do cinema.
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Amante dos filmes de terror clássicos e de um trash mal feito, é cinefotógrafo e tem o hábito de ver um filme no mínimo duas vezes: uma analisando o geral e outra analisando apenas a fotografia. Além, Igor é membro fundador da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN).
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