Título original: Lady Bird Direção: Greta Gerwig O filme da jovem diretora Greta Gerwig, em primeiro momento, é familiar aos olhos como mais um filme adolescente, desses que já estamos cansados de ver em canais de tv fechada exclusivos de cinema. No entanto, ao decorrer dos dramáticos minutos, percebemos que a película tem muito a dizer sobre como crescemos. Lady Bird conta parte da vida de Christine, a “Lady Bird”, uma jovem de Sacramento que está no último ano do ensino médio e sonha em estudar longe da sua cidade, ideia rejeitada por sua mãe, que precisa lidar com os conflitos adolescentes da sua filha enquanto administra um lar conturbado. Em meio a crises de identidade, primeiras experiências sexuais e frustrações recorrentes em relação ao menor poder aquisitivo de sua família, Christine descobre as dores do amadurecimento, da transição a vida adulta. Para voar é preciso primeiro cair, cair muitas vezes, e se reconstruir. Rasgando-se e remendando-se constantemente, Christine amadurece aos poucos, largando antigos pesos que a impedem de alcançar a leveza necessária para aprender a voar. A cinematografia serve muito bem ao fator alegórico, os grandes planos abertos dos casarões tão quiméricos a Christine a tornam pequena como um pássaro em frente a uma árvore alta, sonhando com um dos seus galhos. Pequenos props, como o gesso rosa que Christine ostenta desde o início são grandes trunfos da direção para representar semioticamente os pesos que são deixados para trás ao amadurecer. Lady Bird, que parece tanto no início como mais um filme adolescente, se mostra muito mais do que isso. É um retrato do amadurecimento, até mesmo da própria diretora que inspirou-se em suas experiências, mas ainda além disso, é um aviso para quem objetiva crescer: voar é rasgar-se, remendar-se e continuar.
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Título original: The Florida Project Direção: Sean Baker Conhecido pelo trabalho em Tangerine, Sean Baker mostra em Projeto Flórida um lado americano que foge a propaganda do American Way of Life. O filme retrata um momento na vida de pessoas que moram em uma hospedagem de beira de estrada, onde crianças brincam enquanto seus pais enfrentam batalhas diárias devido a falta de dinheiro. O desde sempre difundido estilo de vida americano frequentemente é associado a luxo, felicidade, liberdade, perfeição absoluta. Os problemas que existem aqui não existem lá, a tristeza que existe aqui não existe lá, a felicidade que não encontro aqui certamente eu encontraria na terra onde todos são felizes. Essa é uma máxima tida por muitas pessoas que observam de fora, pela bem difundida propaganda, os Estados Unidos da América. A película de Sean Baker assegura que as coisas não são bem assim. Em meio a abandonos parentais, prostituição e humilhações não sentidas pela inocência infantil, é mostrado um lado da sociedade americana que não entra na propaganda. A vida é difícil para as pessoas que estão à margem, não importa o quão rico o país seja e Projeto Flórida deixa isso bem claro. Com uma fotografia simples (e funcional) e atuações envolventes (destaque para a jovem Brooklynn Prince de apenas seis anos), o filme, que tem uma pegada toda marginal, expõe parte das mazelas americanas com uma proximidade impressionante, tocante do início ao fim. Além, o estilo indie adotado por Sean Baker parece funcionar como poucos, sendo um elemento que insere ainda mais quem assiste nos dramas ocorridos no subúrbio do mundo mágico, onde no fim, serve de um dos mais belos símbolos adotados na película: idealizar um mundo mágico como um lugar onde os problemas não existirão. Título original: Zir-e Sayeh Direção: Babak Anvari Algo que eu ouço muito ao ver pessoas conversando sobre filmes de terror ou dando indicações é: “esse filme tá mais pra um drama do que pra terror” ou “não é bem terror, tem algumas reflexões”, pessoas como as que falam tais coisas consideram o terror um sub-gênero que não deve ser visto com seriedade. Pois bem, o filme de estréia do iraniano Babak Anvari na direção de longa metragens é um bom exemplo de como isso não é verdade. O filme se passa nos anos 80 durante a guerra Irã-Iraque e contempla a história de uma família que se vê no meio do conflito lidando com seus próprios dramas pessoais. Iraj (Bobby Naderi) é mandado para servir na guerra como médico, deixando sua esposa Shideh (Narges Rashidi) e sua filha Dorsa (Avin Manshadi) em seu apartamento. Shideh, por ter sido politicamente ativa durante a revolução iraniana de 1979, não pôde voltar a estudar medicina, tendo então que exclusivamente cuidar da filha e viver com a certeza de que nunca terá o seu sonho de ser médica realizado, no meio de tudo isso, a boneca favorita de Dorsa desaparece e ela tem certeza de que foi um Djinn, figura mitológica islâmica, que a pegou. A característica câmera na mão do cinema do oriente médio caiu como uma luva na projeção de tensão do terror que eu gosto de chamar de “terror de ambientação”. Ao longo do filme o tom escuro, menos saturado e de solidão cresce exponencialmente como que ambientando o espectador cada vez mais no universo isolado daquela família. Quase sem jump scares, o longa cria tensão e provoca a reflexão acerca da guerra e dos horrores por ela produzidos, sobretudo na mente de uma mulher em um país que acabou de sofrer uma revolução cultural opressiva, valendo-se da atmosfera que cria, sem apelações. A inocência infantil perdida, a angústia de não ter o sonho realizado, a opressão sofrida pelas mulheres pós-revolução, são alguns dos vários djinns que o povo iraniano teve de enfrentar durante as épocas de conflito e alguns desses djinns continuam até hoje a assombrar o povo persa. Alegorias são um fator de excelência dos diretores iranianos, árabes e judeus. Babak Anvari prova que elas podem ser usadas com eficácia também em um gênero tão avariado como o terror, que não necessariamente é um entretenimento efêmero, mas um gênero que se bem explorado é um dos melhores em retratar a psique humana. Título original: O Matador Direção: Marcelo Galvão Boas ideias não geram necessariamente bons filmes e os exemplos disso não inúmeros, O Matador surge como mais um deles. A trama conta a história de Cabeleira, que foi abandonado no sertão ainda bebê e cresceu aos cuidados de Sete Orelhas, um cangaceiro que o encontrou e cuidou dele. Apesar do acerto em retratar a história por meio da fala de um contador, figura muito popular na cultura nordestina, o roteiro falha por, além de não possuir um ponto forte principal, entregar um protagonista fraco. Cabeleira não tem nenhum elemento que faça o público identificar-se com ele, some em certa parte da trama e quando reaparece já é tarde demais para a criação de qualquer vínculo. O próprio personagem mais parece uma corda que o roteirista utiliza várias vezes durante a história para amarrar o roteiro que não tem um ponto central forte o suficiente para tantos “afluentes” que foram montados. Cabeleira cresce como uma rocha bruta do sertão e em certo momento se estagna na sua condição de rocha, ainda que jovem, em convívio com a civilização e com um lapso de tempo suficiente para um melhor desenvolvimento, Cabeleira continua o mesmo ser animalesco de sempre, acontecendo uma mudança apenas tempos depois, ao encontrar o filho, quando já é tarde demais. A arte, apesar de americanizada em alguns momentos em relação ao figurino, cumpriu o seu papel. A fotografia é um trunfo, retrata bem, com a iluminação, o sertão rústico. O som faz um bom trabalho em ambientar o público no dúbio espaço hostil e calmo do que é o “sertão dos valentes”. No entanto, os efeitos desnecessários foram extremamente mal utilizados, deixando em todas as vezes perceptível até mesmo para quem não está acostumado a ver, a sua artificialidade quase amadora. A grande expectativa que foi gerada acerca do primeiro filme brasileiro produzido pela expoente Netflix não condiz totalmente com o filme que foi entregue por ela, com mais erros do que acertos. Título original: Suite Habana Direção: Fernando Pérez A palavra que podemos usar para definir o documentário do Fernando Peréz talvez seja duplicidade. Em meio a imagens bonitas e silêncios dramáticos, somos apresentados a figuras comuns da maior cidade cubana e acompanhamos a dura vida de pessoas que nos mostram que a revolução falhou em muitos aspectos, mesmo tendo acertado em alguns. É bem verdade que em momento algum nos é mostrado que os personagens sofram de problemas comuns até mesmo em países muito mais desenvolvidos que Cuba, como a fome ou a falta de moradia, esse é o ponto positivo da revolução. No entanto até mesmo em uma sociedade mais igualitária, a "automação" do homem se mostra um fator depressivo pertinente. Todos têm trabalho em Cuba, as crianças vão à escola, os idosos aposentados ficam em casa ou encontram atividades complementares de renda como em qualquer outro país do mundo, o grande problema que nos é mostrado, apesar disso, é a dualidade entre trabalhar com algo e sonhar diferente. Embora essa não seja uma questão exclusiva dos cubanos, Peréz nos apresenta de uma maneira subjetiva, utilizando o silêncio (e às vezes músicas características do país, em conjunto com planos que enquadram expressões sérias dos personagens durante o seu período de trabalho), que até mesmo em uma sociedade tida como utópica por muitos habitantes de outras nacionalidades, os nossos sonhos são suprimidos em troca de "levar a vida". Ao cair da noite, a diversão, as festas, são a válvula de escape do povo cubano para esquecer a dura realidade que muitos têm, o que nos permite separar Cuba em dois países: a "Cuba Diurna" e a "Cuba Noturna". Na Cuba Noturna os cidadãos soltam-se, removem seus “parafusos de autômato” e se libertam, são felizes, esquecem-se das suas frustrações para viver parte dos seus sonhos por pelo menos algumas horas. Suíte Havana não é apenas uma reflexão sobre a realidade cubana, tão dura quanto a nossa. É também um lembrete de que a afirmação do homem na sociedade como “um ser mão de obra” é um esmagador dos anseios de felicidade, um pensamento desumanizador que se não for mudado transformará pessoas de várias nacionalidades em “Amanda Gautier”, que já não tem mais sonhos. Título original: Café Society Direção: Woody Allen O primeiro filme digital do aclamado diretor Woody Allen é mais do que imagens bonitas, é um símbolo das transformações. Filmes que envolvam o “fazer cinema” são sempre muito bons aos olhos do público, pois ao passo que apreciamos a película, entendemos um pouco (mesmo de maneira caricata) os bastidores do que é fazer cinema em Hollywood. Mansões, carros de luxo, belas mulheres fúteis e uma paleta predominantemente creme são elementos que não poderiam faltar na narrativa do cinema dos anos 30 e Woody Allen utiliza isso muito bem em parceria com Vittorio Storaro, mago da luz italiano, conhecido por ter atuado na direção de fotografia do clássico Apocalypse Now, a cinematografia de Café Society é de encher os olhos e é o que encantará o espectador no primeiro momento. A narrativa contempla a vida do jovem Bobby (Jesse Eisenberg) que resolve mudar-se de Nova York para Los Angeles desejando entrar na indústria cinematográfica por intermédio do seu tio Phil, produtor de cinema. É interessante notar no personagem do Eisenberg um amadurecimento do jovem ator nas “artes Woodyanas”, onde ele por certas vezes assume “trejeitos” muito semelhantes ao Woody em Annie Hall, diferente do seu papel no filme Para Roma com Amor, onde não foi lhe dada a responsabilidade de assumir por vezes ações semelhantes às do seu diretor em filmes anteriores. Ao longo do filme, as transformações acontecem e são muito bem retratadas pelo roteiro que cada vez mais aproxima o personagem Bobby das características do seu tio, seja pelo uso de situações semelhantes vividas pelos dois (muito bem evidenciadas também pelo uso de planos semelhantes um do outro) ao disputar a mesma mulher, seja pelas ações do próprio Bobby ao decorrer do tempo em relação à família que ele construiu e a mulher que ele sempre amou. Café Society, apesar de conter todos os elementos dos filmes anteriores do Woody Allen (bela fotografia, roteiro recheado de romances proibidos e traições, a tradicional trilha sonora que marca transições), é notável pelo primeiro uso do digital e, pela declaração do Woody em Cannes, onde ele falou da beleza do cinema digital, podemos esperar filmes ainda mais encantadores futuramente. |
Amante dos filmes de terror clássicos e de um trash mal feito, é cinefotógrafo e tem o hábito de ver um filme no mínimo duas vezes: uma analisando o geral e outra analisando apenas a fotografia. Além, Igor é membro fundador da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN).
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